domingo, 10 de maio de 2009

Frei Betto: Deus e a literatura

09.05.09 às 21h03

*Autor de “A Arte de Semear Estrelas”

Pela literatura, o verbo se faz carne. Embora a música seja, na minha opinião, a mais sublime das artes, a literatura é a mais sagrada. Deus a escolheu para, através dela, se revelar a nós.

Os livros bíblicos reúnem uma sucessão de fatos históricos e alegóricos (parábolas, metáforas), entremeados de genealogias, provérbios, poemas (Cântico dos Cânticos e Salmos) e detalhes técnicos e ornamentais (a construção do Templo).

O que faz de nós imagem e semelhança de Deus é a capacidade de amar e a linguagem. Animais também amam, tanto que certos pássaros, como os pardais, se mantêm fiéis após se acasalarem. Mas somente o ser humano possui um nível de consciência que lhe permite ordenar e expressar sentimentos, emoções, intuições e afetos.

Isso nos faz semelhança divina. Deus é amor, e seu afeto por nós se manifesta na linguagem contida na narrativa bíblica e na epifania do Verbo que, entre nós, se fez carne.

A escrita é uma forma de tentar organizar o caos interior. Por isso, todo artista é clone de Deus. A escrita é terapêutica, libertadora. Hélio Pellegrino, psicanalista, atribuía a minha sanidade mental no decorrer de meus anos de prisão ao fato de eu ter literalizado a vida de cadeia.

A escrita constitui uma forma de oração, como bem sabia o salmista. A experiência de Deus antecede e ultrapassa a escrita. No entanto, o pouco que dela se sabe é por meio da escrita; raras vezes por experiência pessoal.

Grandes místicos, como Buda, Jesus e Maomé, nada escreveram. O que sabemos deles e de seus ensinamentos é graças a quem teve o trabalho de redigir.

Nenhum comentário: