domingo, 25 de janeiro de 2009

Comlurb traça um perfil da saúde da população através das caixas de medicamentos jogadas fora

25/01/2009 00:55:00

Maria Luisa Barros

Rio - As sobras de embalagens de remédios que têm como destino as lixeiras da cidade dão diagnóstico de como anda a saúde dos cariocas. Como uma radiografia, os restos coletados pelos garis de porta em porta são capazes de contar com precisão de detalhes os hábitos medicinais da população do Rio de Janeiro.

Pesquisa inédita da Comlurb, realizada desde 2006, aponta onde estão os maiores consumidores de medicamentos e os bairros mais saudáveis. Nas lixeiras do Centro, por exemplo, bairro boêmio por tradição, aparecem com freqüência antiácidos, remédio para quem exagerou na dose e nos petiscos.

No lixo de Copacabana, as caixas de remédios para osteoporose, reumatismo e insônia confirmam que idosos são maioria no bairro. A dificuldade para pegar no sono também aflige os tijucanos. Refém da violência urbana, o bairro é um dos que mais consomem remédios para dormir, para depressão e controle da pressão arterial.

Na Lagoa, a maior renda da cidade, as caçambas estão cheias de antiácidos, ansiolíticos (ansiedade e insônia) e antidepressivos. Mas também vitaminas e sais minerais. “Reflete o estresse do dia-a-dia e a preocupação com a forma física para se manter no mercado de trabalho”, analisa a bióloga e gerente de pesquisas da Comlurb, Adair Ferreira Motta Teixeira.

Ano passado a Comlurb recolheu 48 mil toneladas de lixo domiciliar. As embalagens de medicamentos separadas na catação dos garis são uma parte da análise sociológica do lixo. “O carioca toma muito remédio. Mas nem todos. Em Guaratiba, tem muito peixe e legumes e pouco remédio”, diz o gari João Luis Richter, 30 anos.

Barra saudável

A vizinha Barra da Tijuca optou por uma vida saudável. Entre as sobras do bairro, vitaminas, sais minerais e antiinflamatórios, usados no tratamento de lesões musculares. “Os moradores da Barra praticam atividades físicas, freqüentam academias e se preocupam com a aparência. Podem até não se alimentar tão bem, mas tomam muita vitamina em comprimidos”, constata Adair.

Moradora da Barra, a atriz Juliana Schalch, 23 anos, que está no ar na novela ‘Três Irmãs’, conta que no seu lixo quase não há remédio. “Quando o tempo esfria, tomo antigripal e vitamina, mas no dia-a-dia prefeiro alimentação mais saudável. Não como carne vermelha, tomo muito suco e como muita fruta”, diz Juliana, que para manter a boa forma faz caminhadas na orla.

Violência leva casal a sofrer de depressão

Há cinco décadas, o aposentado Assad Jorge Ayoub, 78 anos, acompanha as transformações pelas quais passou a Tijuca. “Mudou muito. E, infelizmente, para pior”, diz ele. Os passeios pelo bairro e a vida noturna ficaram no passado. Hoje, quando começa a anoitecer, ele se tranca em casa junto com a esposa, Dalel Thomaz Ayoub, 76 anos. “Depois das 18h, não dá para andar na rua. Temos muito medo da violência que tomou conta do bairro”, lamenta Dalel.

Por causa da insegurança — por mês, os tijucanos registram mais de 1.800 ocorrências policiais, o dobro de Copacabana —, Assad e Dalel entraram em depressão. “Era o dia inteiro ouvindo sirene de polícia, buzina de ambulância. Não durmo mais sem remédio”, conta Dalel, que já foi assaltada perto de casa. No apartamento deles, de frente para o morro do Borel, os remédios enchem uma gaveta.

O casal toma antidepressivos, ansiolíticos (remédios para insônia) e anti-hipertensivos (para controlar a pressão alta). Da janela, Dalel e Assad avistam as balas traçantes que cruzam as favelas do bairro. “O tijucano ainda tem poder de compra, mas sofreu muitas perdas. Os imóveis se desvalorizaram. Os moradores mais velhos se refugiaram dentro de casa e nos remédios”, constata a pesquisadora Adair.

Estilo natural reina em Santa

A análise do lixo domiciliar mostra que, quanto mais alta a renda do carioca, maior o consumo de medicamentos. Santa Teresa é uma exceção. O bairro de classe média, adotado por artistas e adeptos de um estilo de vida natural, é o que menos toma remédios na cidade.

“Eles têm condições de comprar remédios, mas optaram por uma vida mais saudável. Preferem fazer uso de remédios naturais, como os fitoterápicos, e tomam muito chá”, explica a bióloga e gerente de pesquisas Adair Ferreira Motta Teixeira.

Não por acaso, é o lugar onde o artista plástico Zé Andrade, 57 anos, escolheu para cultivar plantas medicinais no jardim de casa. Da folha de pitanga ele tira remédio para febre; do guaco, um poderoso xarope, e da arnica, um antiinflamatório. “A cura dos males está na natureza. Até remédios mais sofisticados são extraídos das plantas. Eu encurto o processo retirando delas o que faz bem à minha saúde. Não preciso de remédio para dormir. O chá de camomila tem efeito calmante”, ensina Zé Andrade.

Atualmente o cultivo é para consumo próprio. Mas até há pouco tempo, parte da produção era repassada ao posto de saúde do bairro para a fabricação de medicamentos naturais, como xarope e pomadas.

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