domingo, 14 de junho de 2009

Estudo da UnB comprova a dificuldade em se locomover pela capital federal

Publicação: 13/06/2009 08:10 Atualização: 13/06/2009 08:11
A sensação de entrar em um labirinto e dirigir por uma distância maior que a necessária para chegar ao destino não é rara nas grandes cidades. O problema, no entanto, nem sempre está no senso de direção do motorista. Um estudo da Universidade de Brasília (UnB) revela que a malha viária de muitas cidades dificulta a circulação e até contribui para que o morador e, principalmente o visitante, se perca com mais facilidade. Nem mesmo Brasília, nascida planejada e para servir de exemplo, escapa do caos provocado pelo desenho ruim e pela falta de ligação eficiente entre os seus núcleos urbanos. Resultado: a capital federal aparece em 19º lugar entre os municípios brasileiros — dos 44 pesquisados — com o pior índice de integração.

Quatro falhas na elaboração da malha viária tornam Brasília e 19 regiões administrativas — do total de 30 existentes — em um verdadeiro labirinto. Primeiro pela distância entre os núcleos urbanos. Os imensos espaços vazios entre eles agravam o problema. A falta de planejamento no desenho da malha viária e as poucas rotas de ligação entre uma cidade e outra completam a receita para dificultar a vida dos moradores.

Autor do estudo Urbis Brasiliae — ou Cidades Brasileiras —, o arquiteto Valério Augusto Soares de Medeiros explica que o desenho das ruas e avenidas e quantidade de ligações entre elas determinam a boa circulação dentro das cidades ou podem torná-la caótica. Assim como a quantidade de carros e o tempo semafórico do ponto de vista da engenharia de tráfego. Ele estudou o mapa cartográfico de 164 cidades no Brasil e no mundo e chegou à conclusão de que os núcleos urbanos brasileiros são campeões em complexidade, quando comparados, por exemplo, à Cidade do México, Hong Kong, Lisboa e Pequim.

O resultado impressionou o pesquisador. Valério Medeiros imaginava que os dados das cidades brasileiras não seriam os melhores, mas não imaginava que, fazendo as médias, elas ficariam na pior posição entre todas as analisadas. “Pior inclusive que as cidades do mundo árabe que, tradicionalmente, acreditamos que são labirintos urbanos. Mas o estudo comprovou que elas não têm estrutura tão labiríntica assim”, conclui.

Bicicleta
O arquiteto estudou ainda o mapa cartográfico das 19 regiões administrativas do DF que têm as poligonais definidas por lei — atualmente são 30, mas 11 delas não têm os limites de onde começa e termina a cidade fixados legalmente. E descobriu que São Sebastião, Planaltina e Paranoá são as cidades com o pior índice de integração. Núcleo Bandeirante, Candangolândia e Riacho Fundo apresentam os melhores índices. O Plano Piloto ocupa a 6ª colocação entre as regiões com características que facilitam a circulação.

Morador de São Sebastião, a cidade com o pior índice de integração do DF, o pedreiro João Batista, 19 anos, sequer faz ideia das teorias sobre o que facilita a circulação nos núcleos urbanos. Mas sente diariamente as consequências da falta de planejamento. Ele trabalha no condomínio Ville de Montagne, no Lago Sul, distante 16km da cidade onde vive. Sai de casa pouco antes das 6h para pegar o ônibus. “Se eu perder o das 6h, chego muito atrasado no trabalho”, conta. Muitas vezes, Batista prefere ir de bicicleta. “É longe, mas eu prefiro. Quando vou de bicicleta, chego mais rápido e não enfrento trânsito”, afirma.

O estudo do arquiteto revela que, no DF, os eixos mais integrados são aqueles correspondentes à área de influência da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia), que efetivamente faz a conexão entre várias das cidade do DF nos sentidos sul e norte. É graças a isso que o Núcleo Bandeirante e a Candangolândia obtiveram as médias mais altas (veja arte acima). A Estrada Parque Taguatinga (EPTG) e a Estrutural são outros dois eixos classificados como bastante integrados pelo pesquisador. Juntos eles ajudam a dar vazão à demanda por circulação das cidades mais populosas do DF: Taguatinga, Ceilândia e Samambaia.

Isolamento
Na contramão da facilidade de circulação, estão populações economicamente opostas. De um lado moradores de São Sebastião, Planaltina, Paranoá e Brazlândia, cidades com os piores índices. De outro, populações de regiões nobres, como Lago Norte e Lago Sul, que também aparecem com índices baixos de integração. Mas nesses casos, segundo Valério Medeiros, a segregação é voluntária. “As pessoas de poder aquisitivo mais alto preferem o isolamento no espaço urbano. Simultaneamente, é uma estratégia de proteção e privacidade, além de negação da própria cidade”, explica o arquiteto.

Morador de Sobradinho, o taxista Pedro Gomes Cruz, 43 anos, sofre com outro problema da falta de planejamento da malha viária do DF: a falta de opções de rotas. A BR-020 é a única opção para ele chegar ao Plano Piloto. “Se tiver uma batida, não há para onde fugir. É desligar o carro e esperar porque vai demorar”, diz. O fluxo de veículos é intenso nos horários considerados de pico, entre as 7h e as 9h e das 18h às 20h. “Costumo sair de casa às 7h10 e enfrento engarrafamento todos os dias. Só consigo chegar ao trabalho depois das 8h”, reclama.

CONFIRA O ESTUDO
O que se observa em Brasília repete-se em outras capitais. Na análise cartográfica de 21 capitais — entre as 44 cidades estudadas — Brasília aparece em 7º lugar entre as mais acessíveis. Fica atrás de Fortaleza e Palmas, que é outra capital planejada. “As cidades foram crescendo a partir de acréscimo de bairros sem relação com as cidades precedentes. Não houve conexão entre os vários bairros nem entre eles com o centro”, explica Valério Medeiros.

Entre as 44 cidades estudadas, Uberlândia (MG), distante 430km de Brasília, é o melhor exemplo de núcleo urbano que se desenvolveu e consegue garantir a boa circulação. “Lá, as ruas são paralelas ou perpendiculares entre si. E existem grandes eixos que fazem a conexão entre os bairros. Esses dois fatores tendem a facilitar o movimento porque geram uma grande quantidade de rotas”, exemplifica.

Subsecretária de Planejamento Urbano da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma), Rejane Jung reconhece e concorda com as dificuldades de circulação apontadas na pesquisa. “O sistema viário do DF é muito truncado, interrompido. Isso na prática é ruim para todo mundo, pedestre e motorista. Os espaços sem urbanização dificultam a sociabilidade”, reforça. Para Rejane Jung, o Lago Sul é uma região administrativa com sistema viário que dificulta a circulação. “Você tem uma via principal e um monte de ruazinha sem saída. Não se consegue andar de um conjunto para outro nem de carro nem a pé”, cita.

Rejane não fixa um prazo, mas assegura que parte dos problemas apontados pela pesquisa serão resolvidos. As propostas estão no Plano Diretor aprovado recentemente. “Vamos promover a costura (ligação) entre a região do Colorado e a de Sobradinho, por exemplo. Já demos início às obras da via que vai ligar Recanto das Emas, Samambaia e Ceilândia. Tem projeto para a construção de uma pista que vai ligar Arniqueiras, Águas Claras e Vicente Pires”, completa.

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