domingo, 26 de abril de 2009

Frei Betto: Para Nina Garcia Alencar

25.04.09 às 21h19 > Atualizado em 25.04.09 às 21h19

*Autor de “A arte de semear estrelas”

Querida amiga Nina,
Por que a trato com familiaridade? Ora, agora você me conhece intimamente: meu nome é Velhice. É bem verdade que muitas pessoas de avançada idade se sentem constrangidas ao se aproximarem de mim. Como se a Velhice fosse um mal a ser evitado.
Não se conformam com a progressiva e irrefreável degradação do organismo: a audição reduzida, as restrições alimentares, a mobilidade contida, o uso de bengala, etc. Por isso, até se recusam a pronunciar meu nome.
Nina, sei o quanto a sua vida valeu à pena: a família, a fé, a sabedoria de permanecer numa cidade do interior e não acompanhar os filhos no rumo das metrópoles.
O que a faz longeva? O que lhe permite celebrar saudáveis 95 anos? A paz de espírito. Você escolheu cultivar bens infinitos, aqueles que se guardam no coração. Você escolheu a amorosa maravilha da cotidianeidade: a oração, o encontro com as amigas, o socorro aos pobres e, no crepúsculo da vida, dar-se ao direito de espiar o mundo pelas janelas dos livros, dos jornais, da TV.
Sonho com o dia em que as mulheres descobrirem que o auge da beleza reside em encontrar a mim, a Velhice. Essa beleza emoldurada pelas rugas da intensidade de vida e pelos cabelos alvos, fundada na sabedoria de espírito.
Nina, acolhe o meu afetuoso abraço de feliz idade! Curta a minha companhia sem nenhuma ansiedade frente aos desígnios de Deus. Ele a colherá desta vida, como um jardineiro à sua flor, no momento oportuno. Então, sim, você descobrirá que, do outro lado, a vida é terna. O carinho de sua companheira, Velhice.

Nenhum comentário: